ENTREVISTAS
Entrevista com José Mauro Braz de Lima (17/07/2009)
Formado em medicina e com doutorado em Neurologia pela UFRJ, José Mauro Braz de Lima também possui pós-doutorado em Neurociências pela Universidade de Paris, na França. Estudioso em álcool e drogas, ele também é professor associado em Medicina pela UFRJ e coordenador do Programa Acadêmico de Alcoologia e Adictologia da mesma instituição. Além disso, o entrevistado desta edição do Boletim da Abead é diretor geral do Hospital Universitário São Francisco de Assis, da UFRJ. José Mauro também escreveu o livro “Álcool e Gravidez – Síndrome Alcoólica Fetal” um dos únicos do Brasil sobre o tema. Confira a entrevista!
1. O que é a Síndrome Alcoólica Fetal e quais sãos as suas consequências?
A SAF é uma condição clínica decorrente do consumo de álcool pela gestante, onde as substâncias tóxicas atingem o feto ao atravessar a barreira placentária. E isso pode acontecer durante os nove meses de gravidez, pois quando ingerido o álcool penetra no feto de maneira direta, pelo cordão umbilical. Costumamos dizer que quando mulher grávida bebe pela boca, o bebê recebe uma injeção intravenosa de álcool.
Ao entrar no organismo do feto, o álcool interfere no desenvolvimento do bebê, trazendo diversas repercussões não só no cérebro, mas em todos os outros órgãos.
Este é um problema muito antigo, mas só recentemente essa questão foi tida como doença. Entre os anos de 1960 e 1970, na França e nos EUA, essa síndrome ganhou uma expressão mundial e foi relatado que crianças que nascem com SAF têm baixo peso, baixa estatura, nascem com microcefalia, más formações cardíacas e renais, além de déficit cognitivo, retardo mental e baixo rendimento escolar.
Sabe-se que apenas nos últimos 10 ou 20 anos é que a SAF ganhou o entendimento de saúde pública. No Brasil, pouco se sabe sobre essa questão. Ainda não temos dados, mas podemos dizer que esta é uma das questões mais prevalentes. Somos um grande produtor de bebidas alcoólicas e, consequentemente, um grande consumidor. Nossa incidência de SAF é igual ou até maior do que em países desenvolvidos.
2. O Brasil possui ferramentas adequadas e conhecimento suficiente para combater e tratar o alcoolismo?
Sim, sem dúvida. O Brasil, do ponto de vista de produção de conhecimento e conhecimentos específico no tema, tem uma grande capacidade para tratar deste problema. Em São Paulo, existem grandes centros acadêmicos e de pesquisa, como a USP e a Unifesp, por exemplo. No Rio, temos a UFRJ. De um modo geral, temos grandes instituições e grandes profissionais espalhados pelo país.
A visão que a própria Organização Mundial de Saúde define é o alcoolismo como uma questão de saúde pública e não só um problema de saúde mental. Ao invés de se referir à questão chamando-a de dependência química de álcool, a OMS começou a falar em “problemas relacionados ao álcool”. Afinal, o uso abusivo do álcool também causa diversos problemas àquele que não é dependente. Existe então uma visão mais atual, que aborda o problema de álcool e trânsito, álcool e violência, álcool e gravidez, álcool no ambiente de trabalho. E o uso social do álcool pode ser nocivo no dia-a-dia. Uma pessoa que tem uma tendência mais agressiva, por exemplo, ao consumir álcool pode facilitar a ocorrência de violência. E esses indivíduos não são alcoolistas crônicos, mas fazem o uso abusivo do álcool que, por sua vez, também gera problemas.
Para a resolução desse problema, o governo deve estar empenhado e, em algumas aspectos, já podemos observar que o nosso governo está empenhado em resolver a questão.
3. Quais são as principais dificuldades encontradas durante o tratamento de dependência química num hospital geral?
Poucos hospitais gerais têm a visão ou tem instituído setores que possam atender a dependência química. O atendimento nesses locais já ocorre, mas é necessário estar instituído através estratégias governamentais contendo treinamentos e preparos mais adequado aos profissionais que vão lidar com esses casos.
Isso ainda não é difundido do modo ideal. Uma emergência geral deve estar mais capacitada, ou seja, mais habilitada a atender dentro dessa perspectiva de um hospital geral.
Ainda existem problemas organizacionais e administrativos, mas acho que estamos caminhando e acho que já estamos avançando no sentido de facilitar a instituição de ferramentas adequadas para realizarmos atendimentos com mais eficácia.
4. O senhor informou que está realizando um trabalho em parceria com a OMS. No que consiste esse trabalho?
Na UFRJ estamos sempre orientando teses na linha que enfoca a questão do impacto do álcool nos acidentes de trânsito e, por isso, estamos fazendo parte de uma comissão da OMS que trabalha com álcool e acidentes de trânsito.
Hoje, no Brasil, os acidentes de trânsito são a principal causa de morte entre indivíduos de 20 a 29 anos. Essa é uma questão de calamidade pública. Por isso, nosso país está fortemente inserido na campanha da OMS que terá início na próxima década (2010 a 2020), onde ficou definido o tema “acidentes de trânsito”.
E a visão de saúde pública é importante para vermos que os problemas relacionados ao álcool não se limitam à dependência, mas abrangem também o abuso e ao uso. Atualmente, 1,3 milhão de pessoas morre por ano no mundo em acidentes de trânsito relacionados com álcool. Em novembro vou participar de uma reunião com a OMS e com um colega da França para trocarmos experiências sobre o assunto.
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