"Quem quiser que se fum"
Zuenir Ventura,
O Globo
Os médicos que opinaram sobre o câncer de Lula foram unânimes em atribuir a causa da doença ao uso do cigarro (e, em segundo lugar, ao da bebida alcoólica), o que não é novidade, pelo menos para mim, que há 15 anos descobri que o tumor maligno que se instalara na minha bexiga tinha como causa o fumo.
O que nem todos sabem é que fumar charutos (e cigarrilhas) também faz mal à saúde. Tenho amigos que adotam a velha mania consagrada por Fidel Castro — que, aliás, a abandonou há tempos — e, despreocupados, enchem o peito (de fumaça) para anunciar que se encontram a salvo: “Deixei o cigarro, agora só fumo charuto.”
Como alegações, dizem que não tragam e que só fumam de vez em quando.
Acontece que já há evidências científicas de que, mesmo quando não se inala ativamente a fumaça, ou seja, sem tragar, o charuto pode ser tão nocivo quanto o cigarro. Em 1998, o Instituto Nacional do Câncer dos EUA divulgou um estudo afirmando que o hábito está associado a vários tipos da doença, incluindo os tumores da cavidade oral (lábios, língua, bochechas, garganta), do esôfago, laringe e pulmão.
A pesquisa foi realizada com pessoas que consumiam um ou dois charutos por dia e que, na maioria, não tragavam.
A coragem e a transparência com que o ex-presidente está lidando com o câncer, sem escondê-lo ou disfarçá-lo, servem como exemplo no combate a um mal tão estigmatizado e na luta contra o tabagismo, que muitos consideram exagerada e indevida.
Em nome dos direitos individuais, há os que condenam as proibições e as campanhas antitabagistas.
O escritor Vargas Llosa, neoliberal e ex-dependente da nicotina, chegou a escrever que “suicidar-se aos poucos” é um direito de cada um e que “é impossível não sentir uma certa solidariedade cívica com os fumantes”, que estariam sendo tratados como “cidadãos de segunda classe”.
Acho que não é bem assim e apelar para o livre-arbítrio e os valores democráticos é um pouco demais, pois a liberdade de um termina quando sua fumaça começa a incomodar o outro e a fazer-lhe mal.
De minha parte, desisti do apostolado antitabagista quando não consegui catequizar nem minha mulher, que só abandonou o vício quando se decidiu por conta própria.
Otto Lara Resende, quando se livrou do tabagismo, criou a categoria dos “viciados em não fumar”, a que pertenço. Mas sem proselitismo.
Hoje, sigo o preceito de Rubem Braga, que perdeu um pulmão e acabou morrendo em consequência de um câncer na laringe. Militante da causa contra o fumo e irritado por não conseguir converter os inveterados, o genial cronista um dia perdeu a paciência: “Quem quiser que se fume.”
PS — Sei que os usuários de um “puro” recorrem como álibi ao caso de Oscar Niemeyer, que com quase 104 anos continua fumando cigarrilhas e está aí firme e forte. Esquecem que ele é exceção até nisso.
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