domingo, 31 de julho de 2011

XXI congresso Brasileiro da Abead

Entrevista com Gilberto Lucio da Silva (03/06/2011)



Gilberto Lucio da Silva é coordenador da Comissão Organizadora do XXI Congresso Brasileiro da Abead, que será realizado entre os dias 8 e 11 de setembro, em Recife, Pernambuco. Confira abaixo a entrevista que o profissional concedeu ao Boletim Eletrônico da Abead, abordando as expectativas e os destaques do evento.




Destaque

O XXI Congresso Brasileiro da ABEAD partiu de um entendimento que encontrou guarida e foi ampliado por um pequeno grupo que trabalha com muita dedicação e clareza de objetivos em Recife. Este grupo partiu da ideia central de que é tempo de resgatar todo um universo de intervenções baseadas em evidências para os profissionais que atuam na área da prevenção e tratamento do uso e do abuso de drogas. Um resgate que visa como que “curar” as políticas implementadas por gestores alinhados com ideologias e práticas que beiram o absoluto despreparo e amadorismo, senão algum grau de “sandice”.

Práticas como a redução drástica do número de leitos hospitalares, determinando o total desmantelamento das intervenções mais complexas e intensivas, e a redução do atendimento às hipotéticas ações sociais que se resumem a acolher o usuário, ainda que adolescente, para pernoitar em um albergue, sem realizar com ele nenhum tipo de atividade propriamente terapêutica, que termina tão somente por viabilizar o seu retorno ao uso no dia seguinte. Em suma, práticas ancoradas em uma visão distorcida, oriunda de representantes do que costumo chamar de “outro mundo possível com drogas”, muitos dos quais norteiam seu trabalho pela experiência pessoal, e, portanto, restrita, que desenvolveram com o uso de substâncias psicoativas.

Em contraste absoluto, ressaltaria, principalmente, a forte articulação dos membros das comissões organizadora e científica do XXI Congresso Brasileiro da ABEAD de modo a garantir a pertinência dos temas para a realidade local e regional, com especial atenção a qualificação dos palestrantes e relatores escolhidos. Temas prioritários foram então contemplados, como a diversidade de abordagens do tratamento do abuso de drogas, a adequação a diferentes públicos, estratégias de prevenção universal com foco no retardamento do consumo e não apenas do abuso, a prevalência das drogas lícitas e as estratégias da indústria para ampliar o lucro em detrimento das necessidades da população.



Tema

O tema foi escolhido há dois anos, e mobilizou todos os membros das comissões para torná-lo o mais próximo possível da visão que se tinha da construção coletiva deste evento. Ele procura expressar o verdadeiro “nó górdio” que ainda prevalece na adoção de políticas públicas que parecem desconhecer as evidências apontadas pela clínica das dependências. Um exemplo simples? Sabe-se, a partir da farta literatura existente, que quanto mais precoce o início do consumo de qualquer droga, mais probabilidade existe de ocorrer o desenvolvimento da dependência química. É sempre bom enfatizar: falamos de probabilidade, e não apenas de uma possibilidade abstrata ou remota. Qualquer droga consumida em idade precoce tende a disparar um “gatilho”, como uma “chave que ao ser encaixada na fechadura”, que hipersensibiliza o cérebro e imprime uma sensação especial, que tende a ser novamente acionado e pedir mais. E se alguns fatores de proteção podem ajudar a tornar esta “marca” mais leve ou anulá-la, para a imensa maioria da população estes fatores inexistem ou são fortemente neutralizados pelos diversos fatores de risco, incluindo-se aí a experimentação precoce, que contribui para que esta marca fique mais forte, mais ativa e permanente.


Região Nordeste

É simplesmente uma tentativa de retomar em nossa região o “prumo”, trazer o foco para a realidade do uso, do abuso e da dependência de substâncias, que pouco tem de alegria e lazer, como desejariam crer, por exemplo, alguns áulicos da legalização da maconha em nosso estado. A feliz escolha da logo do evento, uma sobrinha de frevo que gira, em plena atividade, busca transmitir a dinâmica da realidade e mostrar que ação, vida e alegria podem ser trabalhadas sem vinculação com o consumo de drogas.


Relevância

As indústrias das drogas lícitas e ilícitas (tão ou mais industriosas que as que pagam comerciais de TV, pois trabalham nos bastidores, inclusive nas esferas de poder legitimamente constituído) prefeririam certamente que apenas os profissionais que a elas se associam pela ação ou omissão permanecessem realizando suas “rodas de diálogo” pré-fabricadas e inócuas. Estas “rodas”, mimetizando um símbolo da cultura do consumo de drogas, qual seja, a roda de partilha do cigarro de maconha, terminam por funcionar como aparelhamento subsidiário dos setores responsáveis pela saúde, pela educação e pela justiça. Alguns profissionais convidados para estes “diálogos” deixam-se enredar pela amistosa acolhida que visa cooptar ou neutralizar sua intervenção. Mas enquanto existirem profissionais que honram a ciência e a ética, a presença da ABEAD continuará indispensável.


Expectativas

Sabíamos que seria um desafio desde o início. Não tínhamos ilusões a respeito. Faremos um evento que contraria muitos interesses locais, quase sempre representantes de articulações de outras terras. A ABEAD traz uma mensagem que incomoda uma pequena, mas influente, parcela de profissionais que comanda e aparelha órgãos públicos e entidades privadas que se percebem como os fundadores de uma nova ordem sob a terra. Correndo o risco de usar termos que podem soar messiânicos, destaco que estamos, de certo modo, lidando com uma mentalidade em que, a semelhança do Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, do escritor Ariano Suassuna, alguns julgam descender de uma casta mais legítima, quiçá se percebam "cabras" da Pedra do Reino, e tentam criar um ambiente hostil para "estrangeiros”. A ABEAD, pelo tempo em que esteve distanciada do público nordestino, tende a sofrer desta pecha. Mas o reino de outras pedras, crack e oxi, tende a se ampliar e torna indispensável a presença de outros “Doms”, de outros “Reis”, de outros “Sebastiões”. Esperemos que o clamor da população, que busca respostas mais adequadas a esta ampliação dos problemas, permita evitar que mais inocentes pobres e sem descendência “real” sejam imolados no altar da nova pedra das velhas capitanias.





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